Entrevista com o artista plástico jesuíta Geraldo Lancerdine

29/10/12

O artista plástico jesuíta Geraldo Lancerdine, em sua primeira exposição, apresenta a narrativa de 15 mulheres brasileiras que foram transformadas em pintura. O trabalho é resultado de pesquisa sobre a cultura brasileira, tendo a mulher como foco central da expressão cultural. Nascido em Minas Gerais, em 1977, ele é formado em comunicação, filosofia, teologia e utiliza a pintura como mais uma forma de expressão. Morador da Avenida Paulista, acredita que as iniciativas NEC podem ajudar muitas “Meninas do Brasil”.

AVP- Padre Geraldo Lancerdine, parabéns pela exposição e obrigada por receber a Associação Paulista Viva.
Como foi o processo de pesquisa para essa exposição. Onde foi que você encontrou estas mulheres?
Padre Geraldo Lancerdine- A pesquisa surge quando eu entro em crise em relação a minha produção artística. Se o que eu faço tem relevância ou não tem relevância, se é importante para alguém, se faz diferença. Para mim, se a arte não for transformadora da realidade ela não tem muita importância. Tem pessoas que acham que a arte é somente reveladora da estética, mas eu não. Acho que a arte tem que ter o pé no chão. Ao entrar em crise, eu comecei a estudar mais a arte, desenvolver vários projetos, fazer um estudo do meu próprio traço pra ver o que me caracteriza, o que é meu, o que posso expressar. Foi nesse contexto que eu conheci a Elizete. A Elizete era uma mulher do interior de Minas Gerais, pobre, mãe de cinco filhos, que passou muitas dificuldades na vida. Ela me contou sua história e quando terminou imaginei o quadro. Cheguei em casa, fiz a pintura e mostrei a ela, que ficou extremamente emocionada e se sentiu representada. Ai me deu um estalo e comecei a dar voz a mulheres que não tem condição de falar. Fazer com que a voz delas seja escutada em outros lugares. Então, é uma questão social, sociológica e muito interessante. Foi ai que comecei a elaborar esse projeto de pesquisa de começar a conversar com outras pessoas. No principio o projeto não era só para mulheres, mas as mulheres se destacaram em relação aos homens.

APV- Por que isso aconteceu? Será que é pelo fato das mulheres tomarem mais a responsabilidade para si?
Padre Geraldo Lancerdine- Eu acho que tem um problema cultural. Os homens não gostam de falar muito. Mas eu acho que a mulher tem mais consciência da própria vida. Consciência da sua felicidade, da sua tristeza, da sua dificuldade. O homem é mais alienado nesse sentido. Ele foge da realidade. A mulher é mais pé no chão. A própria coisa de gera menino, de ter que cuidar faz com que a mulher fique mais pé no chão, o que é uma vantagem sobre os homens.     

APV- Qual foi o processo de escolha dessas histórias?
Padre Geraldo Lancerdine- O fato de ser Padre ajuda porque a gente tem acesso a intimidade das pessoas de uma maneira muito bonita e confiante. As pessoas procuram a gente pra contar as suas histórias, seus problemas confiando mesmo que estão fazendo isso a Deus, estão fazendo isso para aliviar suas dores. Isso ajudou. Como eu tinha esse acesso à vida delas eu pensei: “que bonito”. Eu acho que eu tenho um bom ouvido, pra consolar, para dar esperança, tudo isso. 

AVP- Existe algum ponto em comum entre essas mulheres?
Padre Geraldo Lancerdine- É triste dizer, mas o que há em comum entre essas mulheres é o sofrimento. Infelizmente.

AVP- Apesar das cores forte, existe uma tristeza no olhar que dispensa ler as histórias que acompanha os quadros. Esse é seu ponto de partida. O sofrimento?
Padre Geraldo Lancerdine- Não, o ponto de partida não é o sofrimento e sim o ver que apesar do sofrimento, a dignidade se preserva. Mesmo sofrendo, mesmo passando por dificuldades a dignidade dessas mulheres é preservada. A essência, a beleza... Isso é incrível e é o mais forte. 

AVP- Apesar das histórias tristes, as cores são muito vibrantes.
Padre Geraldo Lancerdine- Eu sou latino, sou brasileiro. Nossas cores são fortes, são vivas. É muito comum na cultura latina.  Você pega uma Frida Kahlo, (Oswaldo) Guayasamín, do Equador, as cores fortes estão lá. Eu adoro porque diz muito da cultura, diz o que nos somos. Somos intensos, gostamos de vermelho, amarelo, verde e isso é muito bonito. A paleta de cores é intencional nesse sentido de mostra os elementos da nossa cultura. Isso deixa os quadros mais leves. Se eles fossem de tons pasteis, com o sofrimento que eles representam, acho que seria mais duro. Eu gosto do contraste. É sofrimento? É, mas a dignidade está ali. Não quer dizer que essas mulheres são sempre tristes. Isso é legal. Elas tiveram momentos de tristeza, mas tiveram outros também.

AVP- Se a sua vida fosse transformada em obra de arte, como ela seria?
Padre Geraldo Lancerdine- (risos) Eu tenho muita dificuldade em demonstrar tristeza. Muita dificuldade. Mas isso não quer dizer que eu não tenha tristeza, que eu não tenha angustia. Eu acho que minha pintura é o modo como eu posso ser triste. Engraçado, né. Se eu não consigo fazer isso na minha vida, na pintura eu consigo mais. Tem o elemento da dor das mulheres e todo o sofrimento, mas tem eu também.  Um quadro muito significativo para mim e o da “Virgem das dores”. Eu já tinha a história e ela é muito forte. Uma das mulheres perdeu sua filha com meningite e ela ajoelha no corredor do hospital e vai rezar. Ela imagina a Nossa Senhora com o coração aberto de dor, compadecendo por ela. Quando eu estava pintando esse quadro, eu estava passando por uma situação dificílima na minha vida. A minha mãe estava no hospital, iria fazer uma cirurgia no coração. Ela não resistiu. O tempo que pintei o quadro foi o tempo entre a internação e a morte.  É muito forte quando eu vejo aquele coração, me dá vontade de tocar e pedir consolo. Como se eu tivesse fazendo a experiência daquela mulher que perdeu a filha. Minha mãe morreu há dois meses e meu pai está começando a convalescer. Muito difícil. Se eu não falo do meu sofrimento, as pessoas não conseguem ver isso em mim.

AVP- O senhor é um mineiro que mora na Avenida Paulista. Isso te assusta?
Padre Geraldo Lancerdine- Eu moro aqui há um ano e meio. Eu tive dificuldade no inicio. Mineiro é muito junto, valoriza as relações humanas, ir para o churrasco em casa, ver filme junto, estar junto com a família... O mineiro é muito “relação”. Em São Paulo eu tive um impacto com isso. O paulistano é diferente. Tem um ritmo de relação também, mas é diferente. É difícil o paulistano convidar pra ir a casa dele... é diferente. Eu vivencie na pele a música do Zeca Baleiro: “mas solitário do que um paulistano”. Eu acho o paulistano solitário em meio a isso aqui. A cultura da Avenida Paulista, a maravilha da Avenida Paulista. Tanta coisa pra se fazer, mas eu sinto que as pessoas são solitárias. Eu me sinto solitário aqui. Eu tenho muitos amigos, mas ainda me sinto solitário. É paradoxo, mas é a dinâmica da cidade.

AVP- O senhor é atleticano, não é? Com 6 pontos do líder, acha que ainda dá pra ser campeão?
Padre Geraldo Lancerdine- Sou muito atleticano. Vou aos jogos. Acho que ainda dá tempo de ser campeão. Eu tenho fé.

AVP- O que falta em São Paulo?
Padre Geraldo Lancerdine- Falta mais gentiliza, mais ternura. Falta tolerância. 

AVP – A sua exposição faz parte do NEC- Núcleo de economia criativa. O núcleo estimula iniciativas que valorizam e difundam a criatividade e os mercados a ela ligados, propiciando um ambiente urbano mais oportuno aos cidadãos. Você acredita que essa iniciativa pode ajudar mulheres como “Meninas do Brasil”?
Padre Geraldo Lancerdine- Eu acho que a exposição está totalmente alinhada a essa proposta pelo seguinte, eu não posso nega que a maioria dessas mulheres é pobre. E mulheres que estão batalhando para conseguir sustento para seus filhos, pra conseguir colocar comida na mesa. A Tereza faz bolsinha de fuxico. Está alinhado porque é destas pessoas que estamos falando quando o assunto é economia criativa. É elas que queremos alcançar quando falamos em dar oportunidades iguais para as pessoas. Eu acho que tem tudo a ver.       

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